No dia a dia de um serviço oftalmológico, conflitos não são exceção — são parte do funcionamento natural de times que trabalham sob pressão clínica, agendas apertadas e expectativas elevadas de pacientes. Quando não gerenciados, eles drenam energia, comprometem a experiência do paciente e corroem resultados. Quando bem endereçados, viram combustível para melhoria contínua. O ponto de partida é enxergar o conflito como dado operacional, não como falha de caráter.
Em consultórios e centros cirúrgicos, vejo três fontes recorrentes: ruídos de comunicação, ambiguidade de papéis e conversas paralelas. Nomear essas causas ajuda a neutralizar suas consequências antes que cresçam.
Aprendi a tratar comunicação como um protocolo técnico, não como algo “intuitivo”. Padronizar passagens de caso e conversas críticas com o método SBAR (Situação, Antecedentes, Avaliação, Recomendação) reduz ruído e acelera decisões entre recepção, enfermagem, anestesia e corpo clínico. Em serviços com alto giro de pacientes, essa estrutura diminui eventos adversos e melhora a integração.
Também reconheço que conflitos não acontecem apenas “entre setores”; eles surgem dentro do próprio time clínico. Em ambiente cirúrgico, diferenças de estilo e tensão podem contaminar o desempenho. Por isso, treino deliberado em habilidades não técnicas (comunicação, consciência situacional, feedback) precisa entrar no cronograma, assim como o treinamento técnico.
Outra lição: papel e responsabilidade não podem ser “pressupostos”. Em agendas concorridas, qualquer ambiguidade vira conflito silencioso. Mantenho organogramas funcionais, descrições de função realmente usadas no dia a dia e um “mapa de decisões” que deixa claro quem decide o quê. Quando a regra existe e é conhecida, a equipe ganha previsibilidade e a resolução é mais rápida.
No front com o paciente, o conflito tem outra face: frustrações em atendimento, expectativas desalinhadas sobre prazos e discussões sobre custos e cobertura. Treinar recepção e equipes de apoio em técnicas de desescalada e linguagem de validação evita que pequenos atritos se tornem maiores.
Também entendi que “estilo de manejo de conflito” não é rótulo fixo, é ferramenta. Há situações em que colaborar é o melhor caminho; em outras, comprometer; e em algumas, impor limites com clareza é o que protege o paciente e o time. Líderes que reconhecem e alternam conscientemente esses estilos preservam relações e resultados.
Na governança do negócio, conflitos societários e desalinhamentos entre corpo clínico e administração merecem tratamento preventivo. Acordos operacionais e códigos de conduta bem escritos — e aplicados — diminuem decisões casuísticas e reduzem ressentimentos.
Para transformar tudo isso em rotina, opero com um ciclo rápido em quatro passos:
1) Detecção: indicadores de clima e escuta ativa.
2) Diagnóstico estruturado: uso do SBAR para capturar fatos, impactos e decisão necessária.
3) Ação proporcional: desde um alinhamento de processo até mediação formal.
4) Aprendizado incorporado: ajuste de protocolo, comunicação ou check-list.
Por fim, mantenho uma régua ética simples: qualquer decisão em ambiente de conflito precisa demonstrar benefício ao paciente e transparência de interesses. Em oftalmologia, onde relações com fornecedores e programas educacionais são intensas, políticas claras de mitigação de conflitos de interesse preservam a confiança do time e do público.
Em resumo, meu roteiro é pragmático: tratar o conflito como dado operacional; padronizar comunicação crítica com SBAR; explicitar papéis; treinar habilidades não técnicas; variar conscientemente o estilo de manejo; prevenir conflitos estruturais com regras claras; e transformar cada episódio em aprendizado incorporado. Quando fazemos isso com consistência, o resultado aparece no que mais importa: segurança, fluidez do atendimento e satisfação do paciente.
Este artigo foi escrito por Enoch Jardim Loes Junior, Founder do Lifelong Learning Gestão em Oftalmologia. O conteúdo aqui apresentado reflete exclusivamente a visãopessoal do autor, construída a partir de sua experiência no ecossistema da saúde e da gestão em oftalmologia.